A resenha crítica é um gênero textual através do qual se estabelecem comentários críticos sobre uma obra. Caracteriza-se pela predominância de sequências composicionais do tipo argumentativo. O foco do resenhista deve ser os aspectos relevantes da obra,a ideia nuclear, dispensando, assim, os supérfluos, meramente ilustrativos.
Apesar de alguns livros apontarem um tipo de resenha chamada de descritiva, na qual apenas se descrevem aspectos estruturais do texto (número de páginas, capítulos, referências bibliográficas) e apresenta-se um resumo, é mais comum, na esfera acadêmica, a solicitação da resenha crítica.
Estrutura da resenha crítica:
1. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
Faça a referência bibliográfica completa da obra resenhada de acordo com a ABNT.
2. APRESENTAÇÃO DA OBRA.
Situe o leitor descrevendo em poucas linhas a ideia central do texto a ser resenhado.
3. DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO.
Nesta parte, apresente o resumo da obra, destacando o conteúdo de cada parte ou capítulo.
4. ANÁLISE CRÍTICA.
É neste momento que analise criticamente as ideias apresentadas pelo autor; avaliará os posicionamentos estabelecidos na obra; confrontará, se achar necessário, a linha teórica do autor com outras.
5. RECOMENDAÇÃO OU PARECER FINAL.
Recomende a obra, salientando sua importância para a formação de estudiosos da área.
Exemplo de resenha crítica:
Língua & Liberdade: por uma nova concepção da língua materna
por Cláudia Helena Dutra da Silva - 8/11/2004
LUFT, C. P. Língua & Liberdade: por uma nova concepção da língua materna. Porto Alegre, L&PM, 1995. (Coleção Universidade Livre)
O estudo da língua não é unicamente o estudo da Gramática. A língua é um meio de comunicação, consequentemente é viva e atual e, à medida que é necessário, adapta-se à realidade de seus usuários. Esses livros que chamamos gramáticas não passam de uma mera tentativa de explicar uma pequena, realmente muito pequena, parte das regras da nossa autêntica gramática, a qual possui um conjunto de regras que sustentam o sistema de qualquer língua, não especificamente o da nossa. Esta é a ideia principal do livro Língua & Liberdade, de Celso Pedro Luft, professor de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que, infelizmente, deixou-nos no ano de 1995.
O livro está dividido em seis capítulos, assim denominados: (1) Subversão Linguística?; (2) A Teoria da Linguagem; (3) Nascemos Programados Para Falar; (4) Teoria Gramatical: Implícita e Explícita; (5) Sobre a Inutilidade e Nocividade da Teoria Gramatical no Ensino da Língua Materna; (6) Língua & Liberdade. Todos os capítulos apresentam uma linguagem extremamente acessível e uma visão esclarecedora sobre a língua, um assunto que produz grande polêmica e é foco de uma já antiga “guerra” entre gramáticos e lingüistas.
O Capítulo 1 - “Subversão Lingüística” - é basicamente sobre gramática e comunicação. Nesse capítulo, percebemos claramente a crítica feita por Luft à escola tradicional, a qual ele condena por transformar o estudo da língua em estudo da gramática, em vez de estudá-la como meio de comunicação. De acordo com ele: “Um ensino gramaticalista abafa justamente os talentos naturais, incute insegurança na linguagem, gera aversão ao estudo do idioma, horror à expressão livre e autêntica de si mesmo” (p. 22). A conclusão do Capítulo 1 é de que a verdadeira gramática é algo vivo e natural, portanto independe de ensino, aceita variações linguísticas e permite que ocorra evolução, evitando, dessa forma, a morte da língua.
No Capítulo 2 - “A Teoria da Linguagem” -, o autor fala sobre a dicotomia fundamental entre competência / desempenho, de Chomsky. Competência de linguagem é a capacidade das pessoas de se comunicarem por meio de sistemas de sinais vocais, e desempenho é o comportamento linguístico, as utilizações da língua. E é o sistema de regras interiorizadas pelos falantes na infância que constitui a verdadeira gramática da língua, a legítima e autêntica. Luft também comenta as consequências maléficas do ensino gramaticalista, que proporciona uma sobrecarga de inutilidades. Em vista disso, podemos nos perguntar quantos jovens terminam o segundo grau e conseguem achar uma utilidade, tanto na vida pessoal quanto profissional, para todas essas regras impostas durante o processo de educação! Mais uma vez, ele deixa claro o seu ponto de vista, explicitando que é necessária uma reformulação do ensino da língua materna para acabar com esse ensino que inibe e traumatiza os alunos.
O Capítulo 3 - “Nascemos Programados Para Falar” - aborda a tese do inatismo, raramente bem interpretada. Luft fala de maneira evidente que ninguém nasce com a gramática de uma língua determinada, todavia nasce com uma estrutura linguística genérica, que é a base para a apreensão das estruturas específicas de cada língua. Mesmo muito cedo, uma criança surpreende sabendo e falando muito além das frases que ouviu. Ela não reproduz simplesmente o que lhe foi dito; mas cria inúmeras frases com bases nas regras depreendidas daquilo que ouviu. Consegue fazer isso sem nunca ter conhecido um gramático ou ter lido um livro de gramática. Na concepção do autor, aprendemos uma língua não porque somos estimulados, mas, sim, porque estamos expostos a ela.
No Capítulo 4 - “Teoria Gramatical: Implícita e Explícita” -, Luft expõe a complexidade da teoria da língua que a criança constrói em sua mente e explana sobre as subdivisões dessa teoria (teorias parciais): semântica, morfológica, sintática, fonológica, fonética. Mesmo crianças sem instrução explícita conseguem interiorizar a teoria de sua língua materna (gramática). Ao ver do autor, só existe uma explicação possível, que é a do fundador da Lingüística Gerativa, Chomsky: “predisposição inata da criança em desenvolver certo tipo de teoria para tratar as informações [dados da fala] que lhe são apresentadas” (p. 81). Luft não só sabe defender seu ponto de vista, como sabe apreciar e reconhecer o trabalho e as idéias de outros autores.
O Capítulo 5 - “Sobre a Inutilidade e Nocividade da Teoria Gramatical no Ensino da Língua Materna” - analisa os prejuízos desse ensino gramaticalista, no qual o aluno não cresce em linguagem, não melhora seu nível, não aumenta o vocabulário e os recursos expressionais e não toma consciência das potencialidades da sua língua. Na opinião de Luft, a verdadeira teoria gramatical começa e acaba nos fatos da língua, a criança não tem consciência do que ocorre, da mesma forma de quando aprende a comer, a nadar, a andar. Para executar tais funções, não é necessário que a mãe incentive a criança ou dê-lhe informações de como os músculos funcionam ou como ocorre a digestão. Nesse capítulo, Luft também questiona se há uma tábua de salvação para a Gramática Tradicional e lamenta ter de dizer que a resposta é negativa. Um ensino em crise não pode ser salvo apenas pela troca de uma teoria por outra, mesmo que esta seja a Linguística, que possui alto nível científico. O grande problema é que o ensino da língua é uma prática para a qual a teoria é um pré-requisito, saber natural, preexistente no falante, por isso não pode ser salvo com outra teoria.
O tão desejado ensino e a educação ideal, voltada para a liberdade, é assunto do Capítulo 6 - “Língua e Liberdade” -, que encerra esse extraordinário trabalho de Luft. Ele reconhece ser essa uma tarefa difícil, pois tanto o comodismo quanto a inércia fazem com que continuemos insistindo em um método ineficiente e extremamente desatualizado. Não é necessário impingir aos alunos novas teorias, mas sim, praticar junto a eles a língua, tentando fazê-los sentir que a dominam e que ela não é um objeto nem de insegurança nem de humilhação.
E apesar de existirem inúmeras obras abordando esse mesmo tema (a língua), a obra de Luft destaca-se por sua seriedade e objetividade, que embora presentes em todo o livro não se conflitam em nenhum momento com a ironia empregada pelo autor, cujo único desejo é que os cidadãos sejam senhores de sua linguagem. Sem dúvida, Língua & Liberdade é uma leitura não só prazerosa, mas também estimulante, sendo impossível fazê-la e chegar a seu final com indiferença.