domingo, 27 de novembro de 2011

Primeiras Estórias - Pontos importantes para UPE tradicional.


1. Primeiras Estórias reúne 21 contos, nos quais encontramos um grande trabalho inventivo com a linguagem, o que para muitos estudantes se torna um obstáculo. Provavelmente, a palavra primeiras relaciona-se com o fato de serem esses pequenos contos a primeira experiência do autor nesse tipo de texto narrativo.


2. Como em toda obra de Guimarães Rosa, Primeiras Estórias é inovadora: a maneira de narrar, enredos abordados de modo inusitado, linguagem reinventada, personagens complexas, temática que transcende o prosaico e ganha dimensão filosófica.

3. Ao ler os contos, o leitor de Primeiras Estórias entra em contato com temas como sentido oculto da existência, crescimento espiritual por meio de experiências amorosas, vida como aprendizado, sensibilidade extraordinária manifestando-se pela loucura e pela ingenuidade infantil, vida como predestinação, limites entre bem e malSão narrativas preocupadas em tematizar, simbolicamente, os segredos da existência humana.

4. A obra aborda as diferentes faces do gênero conto: a psicológica, a fantástica, a autobiográfica, a anedótica, a satírica, vasadas em diferentes tons: o cômico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o erudito, o popular. As estórias captam episódios aparentemente banais.

5. Contos cujo narrador está em  pessoa: Famigerado,  A Terceira Margem do Rio, Pirlimpsiquice,  O Espelho,  O Cavalo que bebia cerveja,  Luas-de-mel, A Benfazeja, Darandina, Tarantão- meu patrão...

6. Contos com narrador em 3ª  pessoa: As Margens da Alegria, Sorôco, sua mãe e sua filha, A Menina de Lá, Os Irmãos Dagobé, Nenhum, nenhuma, Fatalidade, Sequência, Nada e a nossa Condição, Um Moço Muito Branco, Partida do Audaz Navegante, Substância, Os Cimos.

7. Em geral, os protagonistas ou são crianças (As margens da alegria; A menina de lá; Partida do aldaz navegante), ou loucos (Sorôco, sua mãe, sua filha; A Benfazeja; Tarantão, meu patrão) , ou estão à margem da sociedade. São seres portadores de alguma “excepcionalidade”, se comparados com o mundo “normal”.
“Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou  alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então ?”  —  (O Espelho).
Famigerado

Um médico estava em casa quando chegam quatro cavaleiros, dos quais um “não tinha cara de ser muito amigo”. Apesar do medo, crente que se tratava de um jagunço, o médico pergunta qual a razão da visita. O sujeito se identifica e confirma a suspeita do médico. Numa conversa lenta, entrecortada, o homem explica que desejava saber o significado da palavra “famigerado”, que um funcionário do Governo lhe dissera. Como ninguém soubera explicar-lhe, acreditava que o doutor soubesse fazê-lo. O médico, com ares de culto, diz que o significado seria próximo de “notável” ou “célebre”. O famigerado pede maiores explicações e o médico continua a acrescentar sentidos positivos para a palavra. O jagunço, satisfeito, dispensa os homens que trouxera de testemunhas e parte feliz. O final é um anti-clímax, já que tudo termina bem depois do clima de suspense de toda a narrativa. O médico não mentiu: ele apresentou uma das interpretações possíveis para a palavra famigerado, mas não citou aquela que é a mais comum: bandido.

Sorôco, sua mãe, sua filha.
Um trem com  um vagão especial espera na estação para levar a mãe e a filha de Sorôco para o hospício em Barbacena. Com sua melhor roupa, o homem traz as duas pelo braço. Uma multidão vem acompanhar esse triste espetáculo, mas todos tentam respeitar a dor de Sorôco. Inusitadamente, ambas começam a cantar uma canção que ninguém compreendia. Sorôco nem tem coragem de olhar para o trem quando este parte. De repente, tomado pela dor, passa a cantar a mesma canção de suas familiares. Toda a comunidade ali  principia a cantar também e a acompanhar Sorôco.

A terceira margem do rio.

Um filho narra a estória da decisão do pai que abandona a família para morar na terceira margem do rio. Este manda fazer uma canoa, despede-se de todos e parte. A esposa diz: “Cê vai, ocê fique ,você nunca volte!”. Qual a razão da partida?  Ninguém sabe. O filho furtava comida para levar ao pai até um local onde ele pudesse apanhá-la. A mãe facilitava essa artimanha do filho. A mulher, inconformada, chamou padre, soldados, jornalistas,  para ver se conseguiria convencer o marido a parar com tal atitude. O pai fica longe e perto da família... A filha se casa e não quer saber de festejos. O neto nasce, mas ele não aparece para vê-lo. A irmã do narrador se muda. O narrador, cada vez mais, se parece com seu pai. Já velho, o narrador decide tomar o lugar do pai, que deixa a entender que aceita a troca. Mas o narrador, tomado pelo medo, foge dessa incumbência. O conto termina com o pedido do filho para que o coloquem numa canoa rio abaixo, quando morrer.
Especial sobre Guimarães Rosa

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